SEMPRE ARNALDO BLOCH.... A ditadura das opiniões




COMPLETO: A DITADURA DO CONHECIMENTO DE NOSSAS CLASSES DOMINANTES PÓS GRADUADAS......AI DE QUEM PENSAR DIFERENTE...

Arnaldo Bloch - O Globo

Em vez de discutir os fatos apresentados, o dono da tese responderá, simplesmente: ‘É a minha opinião’
Houve um tempo em que a opinião era tida como algo que, idealmente, o sujeito formava após uma análise mínima dos fatos, das aparências e das relações de causa e efeito. Segundo Platão, uma faculdade autônoma, intermediária entre a ignorância e a ciência. Ou seja, quando algo pode ser e não ser, é preciso que opiniões — pontos de vista, intuições, exames — façam acender o farol utópico da verdade.
Claro que, na filosofia (como disciplina ou como dom espontâneo do pensamento) pode-se e deve-se questionar se existe realmente uma verdade sobre algo, ou até mesmo se algo existe. É graças a dúvidas como essas que a inteligência humana se protege dos dogmáticos que, na ignorância, na crença ou na ciência, creem-se donos do absoluto.
Há fatos, contudo, que, na dimensão prática da vida, têm de ser considerados num dado momento para que se emita uma opinião válida (ou, como se diz, “balizada”) e se avance rumo ao entendimento.
Nos dias de hoje, porém, cresce um tipo de opinião que, além de não ser balizada, não é sequer uma opinião, mas uma tese à qual o sujeito adequa as aparências (e não os fatos). Assim, se a tese “faz sentido”, pode ser vendida como opinião formada.
Num exemplo bem resumido, fulano diz que a decisão da Copa das Confederações entre Brasil e Espanha foi comprada. Afirma até que já sabia, previamente, dentro de sua intuição, que o Brasil golearia a Fúria. “Era óbvio”, diz o opinante, e explica: “Trata-se da atual campeã do mundo”.
O opinante, movido por questões políticas ou demandas psicológicas pessoais, ignora todos os fatos contingentes para fazer a aparência dos fatos encaixar-se numa única informação: a Espanha é a atual campeã do mundo.
Ao fazê-lo não se dá conta, por exemplo, de que a atual campeã do mundo não é atual: a final da Copa foi há três anos. A base dos espanhóis, que é a do Barcelona, perdeu de 7 x 0 para o Bayern de Munique. O tempo transcorreu.
No Brasil a seleção visitante caiu na esbórnia dos trópicos, e Shakira estava na balada, enquanto os canarinhos concentravam-se na gaiola do Tio Felipão. Há também o hino, a torcida, o Maraca, com todos os seus defeitos, e a própria ausência de uma lógica rigorosa no futebol. Enfim, uma série quase infinita de fatos que deveriam estar no horizonte.
Se esses fatos, contudo, forem apresentados ao falso opinante, este se ofenderá. A outra opinião será vista como uma “crítica”, a palavra crítica aí entendida como uma perversão, uma mania despótica, um crime.
Pois, aos olhos do falso opinante, esse monstro que traz fatos à baila é, na verdade, um reacionário que se insurgiu contra o óbvio. Assim, em vez de discutir os fatos apresentados, e na falta de argumentos, o dono da tese responderá, simplesmente:
“É a minha opinião”.
Ou, então:
“Não se pode mais ter uma opinião que ela já é criticada”.
Note-se que na distorção criada, criticar uma opinião (no caso, uma tese sobre as aparências) equivale a não respeitá-la. A crítica assume o predicado de desrespeito, pois o que quer o falso opinante é criar um mundo em que opiniões de uns convivam sem qualquer intercâmbio com opiniões de outros. Neste mundo, a opinião é uma unidade inviolável, blindada, que flutua no espaço dos fenômenos sem qualquer intercâmbio com o meio que não seja sua pura exposição. Os que dela partilham positivamente gozarão de um estado narcísico puro, de infinita aclamação, uma espécie de parlamento soviético em eterna e unânime homologação.
A proliferação dessas células vem crescendo exponencialmente na internet e não está ausente das mídias impressa e audiovisual. São impulsionadas por seu vício conceitual e pela tecnologia.
Fortes em potencial de disseminação, perigosas, mas fracas em solidez, elas se tornam presas fáceis para os dogmáticos espertos. Debates que seriam destinados a trocar informações tornam-se meros embates opinativos em que um lado deve triunfar e o outro morrer. As meias-cores, a ambiguidade, o paradoxo, exterminados, jazem na tumba dos saberes.
Salvo má-fé, a insistência em opinar candidamente contra os fatos sem ao menos ter os fatos em conta expõe o opinante, num ambiente democrático, a constrangimentos que poderiam ser evitados.
Ofendido por choques de realidade, o falso opinante se vê assombrado por um mal que está em toda a parte. O mal, no caso, nada mais é que o medo de topar com sua própria ignorância e tornar-se um ser inválido para qualquer fim.
Se, por outra, tem a coragem de enfrentar os fatos, portas se abrem para que sua intuição, temperada, possa resultar numa opinião de fato, eventualmente mais pertinente que a do seu antigo algoz, oxalá parceiro no futuro

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