PAIXÃO ( Distúrbios da paixão / Regina Navarro Lins )

Comentando o “Se eu fosse você''

A questão da semana é o caso da internauta que suspeita que o marido esteja apaixonado por outra pessoa. Pode ser que ela esteja certa. Afinal, uma paixão é difícil de disfarçar.
Êxtase, euforia, apreensão, dias inquietos, noites insones… O envolvimento é tão forte e invasivo, que pode levar a pessoa a ignorar suas obrigações, além de induzi-la a tomar decisões radicais. Por essa razão, e por ter no ardor sexual um forte componente, ela sempre foi considerada perigosa do ponto de vista da ordem e do dever social.
Um filme que ilustra muito bem o poder da paixão é Perdas e Danos, com Jeremy Irons e Juliette Binoche. Stephen Flemming é um dos líderes do parlamento inglês, com comportamento familiar exemplar. Isto até se apaixonar pela noiva do filho, Anna. Os dois começam um relacionamento, mas Anna não está disposta a abrir mão do noivo. Stephen então altera sua rotina para estar com ela em seus encontros furtivos. Eles sabem o quanto este relacionamento pode abalar as pessoas que amam e destruir suas vidas, mas a paixão é mais forte que a razão.
A paixão nos faz olhar o mundo de outra forma. Tudo assume cores e matizes surpreendentes. É possível estar entre muitas pessoas e ficar preso por uma única imagem. Todos desaparecem, até a realidade se afasta do cenário e a pessoa amada se torna a única presença significativa, a única que nos importa.
Vivemos numa espécie de “solidão a dois”. Uma dimensão minha, interna, de que eu não era consciente, emerge e eu me enriqueço com o que até aquele momento me era desconhecido. Por isso, todos os apaixonados pressentem que um dia podem perder a pessoa amada, que isso pode acontecer a qualquer momento, e sofrem.
Na maioria das culturas nunca se aceitou que o casamento fosse consequência de um amor apaixonado. Raramente os poetas cantam o amor feliz tranquilo. O romance passa a existir onde o amor é fatal, condenado… e não como a satisfação do amor. Os obstáculos, as proibições, são as condições da paixão. Afinal, paixão significa sofrimento.
O desejo e o sofrimento fazem com que todos se sintam vivos. Necessita-se do outro, não como ele é no real, mas como instrumento que torna possível viver uma paixão ardente. Somos envolvidos por um sentimento tão intenso que por ele ansiamos, apesar de nos fazer sofrer. Os apaixonados não precisam da presença do outro, mas da sua ausência. Contudo, a maioria reconhece que a paixão acaba logo.
Mesmo durando pouco, a paixão sempre foi sentida como uma doença da alma que, além de limitar a liberdade individual, pode levar ao assassinato ou ao suicídio. Mas a paixão está em via de extinção. As mentalidades estão mudando e a tendência é outra.
A filósofa francesa Elisabeth Badinter acredita que a tendência seja homens e mulheres sonharem com outra coisa diferente dos dilaceramentos. Se as promessas de sofrimento devem vencer os prazeres, vamos preferir nos desligar. Além disso, a permissividade tirou da paixão seu motor mais poderoso: a proibição. Ao admitir que o coração não está mais fora da lei, mas acima dela, pregou-se uma peça no desejo, acredita ela. Portanto, as condições da paixão daqui a algum tempo não estarão mais reunidas, tanto do ponto de vista social quanto psicológico.  




Ilustração: Lumi Mae

Comentários

Postagens mais visitadas